segunda-feira, 2 de março de 2009

Fala do Trono de 1827

Data: Três de maio de 1827

Augustos e digníssimos representantes da nação brasileira.

Eu venho, conforme a lei determina, abrir esta assembléia com aquele entusiasmo com que sempre pratiquei este ato; mas não com a mesma alegria, a qual é substituída no meu imperial coração pela tristeza, e pela dor, a mais veemente que tenho sofrido, em conseqüência da morte da minha muito amada, e querida, e para sempre saudosa esposa, a imperatriz, que no dia 11 de dezembro passado, pelas 10 horas e um quarto da manhã, deixou este mundo pela habitação dos justos, lugar que seguramente ocupa, pois todos de fé acreditamos que ele é destinado para aquelas pessoas que se conduzem virtuosa e religiosamente como ela o praticava.

Este fato, que em todos causou tanto sentimento, e que ainda hoje se me representa tão vivamente, como se há pouco tivesse acontecido, sucedeu quando eu me achava na província do Rio Grande de S. Pedro do Sul esquadrinhando todos os modos, que o amor da pátria me sugeria, para ver se podia fazer com que a guerra entre o Brasil e Buenos-Aires fosse terminada pelo rasgo de entusiasmo que eu esperava nascesse nos guerreiros corações dos habitantes daquela província. Esta guerra, que já da outra vez deste mesmo lugar vos anunciei a sua existência, ainda continua e continuará, enquanto a província Cisplatina, que é nossa, não estiver livre de tais invasores, e Buenos-Aires não reconhecer a independência da nação brasileira, e a integridade do Império com a incorporação da Cisplatina, que livre e espontaneamente quis fazer parte deste mesmo Império. Falo desta maneira, confiado que a assembléia coadjuvará da sua parte, fazendo os esforços que mui solenemente na sessão passada me mandou protestar, que faria, pela deputação que à minha imperial presença foi enviada, para expor-me os seus sentimentos, que tudo eram conforme com a fala da abertura daquela sessão.

Um sistema de finanças bem organizado deverá ser o vosso particular cuidado nesta sessão, pois o atual (como vereis do relatório do ministro da fazenda) não é só mal, mas é péssimo, e dá lugar a toda a qualidade de dilapidações: um sistema de finanças, torno a dizer, que ponha cobro, não digo a todos, mas à maior parte dos extravios que existem, e que as leis dão lugar a que existam, e por isso o governo, por mais que trabalhe, não pode evitar. Um ramo principal, e que muito concorrerá para este novo sistema de finanças (que eu espero ver criar) ser executado, é o poder judiciário. Não há código, não há forma apropriada às luzes do tempo nos processos, as leis são contrárias umas às outras, os juízes vêem-se embaraçados nos julgamentos, as partes padecem, os maus não são punidos, os ordenados dos juízes não são suficientes, para que não sejam tentados pelo vil e sórdido interesse, e portanto é necessário que esta assembléia comece a regular com sumo cuidado e prontidão um ramo tão importante para a felicidade e sossego público: sem finanças e sem justiça não pode existir uma nação. Bem conheço que esta assembléia tem muitas cousas em que cuidar, que não pode fazer tudo na mesma sessão, que os trabalhos ficam preparados de uma para outra; mas é necessário começar, e começar com unidade, sobre qualquer destas duas matérias, e quando haja de divagar para outras (o que não pode deixar de ser em semelhantes matérias, que em sua natureza são as mais delicadas em todos os estados) eu exijo desta assembléia que estas divagações sejam aproveitando o tempo, fazendo aquelas leis, que a constituição a cada passo nos está mostrando serem necessárias e indispensáveis para ela ser literalmente executada. No meio de uma guerra, sem que tudo esteja organizado, o governo necessita que esta assembléia o autorize, como achar conveniente, para que possa estorvar a marcha dos dilapidadores da fazenda pública, aos que não desempenharam bem os seus empregos, e àqueles que quiseram perturbar a ordem estabelecida e por todos já jurada; já os demitindo, já lhes dando castigos correcionais.

Ninguém mais do que busca cingir-se à lei: mas quando os que saem dela não acham de pronto outra que os coíba, é mister que o governo tenha essa autoridade, enquanto o sistema geral não estiver totalmente organizado, e tudo marchando perfeita, regular e constitucionalmente.

As relações de amizade desse Império com todas as nações que nos tem enviado seus ministros, existem inabaláveis, e a saída do ministro dos Estados Unidos da América tão repentina e tão pouco fundada em razão, não nos deve nem levemente inquietar, pois conto com a prudência do presidente daqueles estados, e com a sabedoria, justiça e imparcialidade dos americanos do norte.

Os esponsais do casamento da rainha de Portugal minha filha já foram celebrados em Viena d´áustria, e eu espero em pouco tempo ver nesta corte meu irmão, seu esposo.

A causa constitucional triunfa em Portugal, apesar dos imensos partidos que a querem dilacerar, e seria impossível que assim não acontecesse, tendo a carta sido tão legitimamente dada.

Tornando aos negócios do Império, estou intimamente persuadido, que todos aqueles que não pensam relativamente a eles do modo que nesta minha imperial fala me exprimo, não são verdadeiramente amigos do Império, não são imperialistas constitucionais, mas sim disfarçados monstros, que só estão esperando ocasião de poderem saciar sua sede no sangue daqueles que defendem o trono, a pátria e a religião.

Não me persuado que no recinto desta assembléia exista um só dos representantes nacionais que não pense da mesma maneira que eu penso, seja qual for o meio porque pretenda alcançar o fim que eu desejo, que é ver o Império firme e o povo contente.

Assim, augustos e digníssimos representantes da nação brasileira, havendo-vos recomendado o que me pareceu mais conveniente aos interesses nacionais, eu me retiro confiado em vós e na esperança de vos poder dizer na fala de encerramento desta assembléia: Não podia esperar menos de vós, estou satisfeito; a nação existe contente; somos felizes; bem aja a assembléia que tão acertadamente legisla.

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